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Sobre Ser Inteiro

“O processo analítico é, acima de tudo, um retorno àquilo que há de mais verdadeiro em nós.”

Ser inteiro não é ser perfeito. É, antes de tudo, aceitar-se humano. Muitas vezes, crescemos acreditando que precisamos eliminar nossas contradições para alcançar equilíbrio — como se a vida pedisse coerência o tempo todo. Mas o que o processo analítico nos ensina é justamente o contrário: a inteireza não nasce da ausência de conflito, mas da possibilidade de habitar o conflito com consciência.

Ser inteiro é poder olhar para as próprias partes sem pressa de ajustá-las. É reconhecer a dor sem se confundir com ela. É dar nome aos silêncios que atravessam nossa história e descobrir que, no fundo, eles também falam. A psicanálise é esse espaço onde a fala se torna ponte entre o que fomos e o que ainda podemos ser. Onde o sofrimento ganha forma, o afeto se traduz e o sujeito começa a se reconhecer no espelho de sua própria verdade.

O caminho analítico é, por natureza, um retorno. Não um retorno ao passado em si, mas àquilo que nos habita e ainda não foi escutado. Cada lembrança, cada emoção, cada repetição que se apresenta no consultório é um convite à escuta do que insiste em permanecer. Não se trata de consertar o sujeito, mas de permitir que ele se escute — e, a partir daí, possa se reinventar.

Na análise, o tempo tem outro ritmo. Há pausas, resistências, recaídas, compreensões súbitas, e também longos períodos de silêncio. Tudo isso faz parte do processo de se aproximar de si mesmo. O analista não entrega respostas; ele acompanha o sujeito em seu percurso de descoberta. E, nesse movimento, o que se revela é algo profundamente humano: a verdade singular de cada um.

Ser inteiro significa recuperar a autenticidade perdida nas tentativas de agradar, de caber, de ser o que esperavam que fôssemos. A análise nos devolve o direito de existir fora dos papéis impostos, dos padrões idealizados e das culpas herdadas.

Não há inteireza sem fragmento. Aprendemos, desde cedo, a esconder o que não se encaixa — o medo, o ciúme, o desejo, a raiva, a tristeza. Mas é justamente o encontro com essas partes “indesejadas” que nos aproxima de uma existência mais verdadeira. A psicanálise nos convida a olhar com delicadeza o que foi negado, a dar voz ao que foi silenciado, e a compreender que cada aspecto de nós tem uma função, uma origem, uma mensagem.

O processo analítico nos mostra que a vulnerabilidade é o solo fértil da autenticidade. É ali que o sujeito encontra a coragem de dizer “sim” a si mesmo — inclusive às partes que preferia esconder. Ser inteiro é, em última instância, habitar o próprio ser com honestidade e ternura.

Ser inteiro não é um ponto de chegada, mas um movimento constante. A vida nos fragmenta muitas vezes — pelas perdas, pelos encontros, pelas escolhas. Mas cada fragmento pode ser uma nova forma de inteireza. O que o processo analítico nos ensina é que não precisamos eliminar as dores para viver de forma plena. Precisamos apenas aprender a acolhê-las, dar-lhes um lugar, e seguir adiante com elas — não contra elas.

O processo analítico é, acima de tudo, um retorno ao essencial — ao que há de mais verdadeiro em nós. Ser inteiro é aceitar o inacabamento da vida e, ainda assim, escolher caminhar. É compreender que a verdade não se impõe: ela se revela, pouco a pouco, na escuta e na fala. E quando essa verdade se mostra, mesmo que de modo sutil, algo em nós se reorganiza — e a vida, antes silenciosa, volta a pulsar com sentido.

Dr. Fernando Sousa — Psicólogo e Psicanalista (CRP 11/17507)
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